quinta-feira, 31 de agosto de 2017

quatro








dentro desta outra de mim, existe uma outra que não quer que ele volte e outra outra que todos os dias olha para o correio e murmura 'escreve-me escreve-me escreve-me'.
se até aqui eu era duas, desde que ele partiu sou quatro.









segunda-feira, 28 de agosto de 2017

tantos dias







foram tantos os dias em que pensei que ele não voltasse mais, tantos. e ele sempre voltou.
agora que não volta, todos os dias me despeço e regresso sempre, a ele. sempre.
são tantos os caminhos, tantos os trajectos que eu invento para poder dizer, que sim.que aceito.que entendo.que seja feliz. mas acabo sempre por regressar a ele, e só aí consego repousar.
foram tantos os dias em que ele voltou, tantos, que agora eu não consigo parar de esperar.
foram tantos os dias em que esperei.









domingo, 27 de agosto de 2017

i cannot bring a world quite round, although i patch it as i can







naquelas longínquas manhãs de domingo, ele lia-me textos que me vestiam a pele de algodão branco. eu ficava ali, imóvel de espanto, a agarrar cada palavra, cada entoação, sem saber como fazer para que ele não partisse. 
não soube. 
agora restam-me algumas palavras que me abrigam nas manhãs silenciosas.
são tantas as palavras. foram tantos os dias. é tão grande o silêncio em que eu volto a ele.











domingo, 20 de agosto de 2017

ainda







por vezes abismo-me no desejo dele e fico assim, parada na beira da vontade de lhe chegar, de lhe escrever, de o sentir, de me rir por causa dele, mas fico assim a vê-lo na distância de mim, e eu ainda tão próximo tão com ele por dentro tão com ele por todo o lado tão com ele ainda em tudo.









quarta-feira, 16 de agosto de 2017

enroscada








os meus olhos deitam-se nas palavras dele, como no inverno, um gato enroscado à lareira. leio-as, uma a uma, lentamente e não entendo o presente.
[os contos de crianças sempre trouxeram dentro uma história de assustar.]
não entendendo a vida, fico-me num tempo que não vivi.







terça-feira, 15 de agosto de 2017

Saber medir distâncias é uma coisa muito importante







Eu não tinha nada de felino, tu sabias
que eu não tinha nada de felino.
Nenhum de nós se admirou quando
medi mal a distância e falhei o salto.
Enquanto ia no ar parecia que era
um salto bom, porém houve qualquer
coisa que correu mal e caí com estrondo
no chão. Ninguém riu. Não era caso
para rir. Grande ilusão ir pelo ar a pensar
que o salto podia ser bom, sem eu ter
nada de felino, sem nunca ter treinado,
sem fazer sequer aquecimento, sem
olho para medir distâncias. Saber medir
distâncias é uma coisa muito importante,
pode falhar-se a vida por milímetros.


Helder Moura Pereira






segunda-feira, 14 de agosto de 2017

choro









Ela olha para o sinal que o identifica e chora. Finalmente chora. Chora o lugar vazio, o tempo passado, o que esperou, chora o que calou, chora o que cala. Finalmente chora.
Dizem os antigos que as lágrimas lavam a alma, contêm sal e o sal é sagrado, limpa purifica.