sábado, 16 de julho de 2016

sinto-me nua









dispo-me.
começo por soltar o cabelo. de seguida descalço-me e sinto o fresco do chão, nos pés. tiro a camisola, desaperto o soutien e olho o peito que cresceu, com a idade ou com as hormonas, nem sei. mas gosto, e sorrio. os meus braços também são fortes e sardentos. quando me livro da saia vejo o meu ventre que se salienta por cima do corte por onde saíram vários filhos. ponho-me de lado em frente ao espelho e na verdade não é o desenho que eu gostaria de ver, mas sou eu. desde as nádegas, marcadas pela celulite que desce pelas coxas largas, encontro os riscos das varizes finas, mas muitas. parecem afluentes de rios, rios do meu sangue que entram em redemoinhos perto dos joelhos e tornam-se riachos até chegarem aos pés. a esta hora do dia os meus pés estão inchados pelo calor, pela má circulação, pela retenção de líquidos.
deixo correr a água do chuveiro e lavo-me com cuidado e método com água morna. primeiro o cabelo, e depois, pelo pescoço abaixo. a água lava-me o corpo e a alma, o shampoo e a espuma excessiva do gel de banho acariciam-me o corpo com malícia.
já enxuta, coloco os óculos e de pinça na mão procuro pelos fora do sítio.
é enquanto espalho o creme que falo com o meu corpo. agradeço aos braços por não me falharem, ao peito que me guarda o coração que vai batendo desajeitadamente, mas bate, ao ventre que se revolve por dentro e digere o alimento e as emoções, às pernas que me levam aonde eu lhes peço e aonde a minha cabeça permite, e agradeço aos pés, que me suportam o dia todo, coitados, nem sempre nas melhores condições, mas soltos, sempre que posso. 
agradeço ao corpo inteiro por me permitir viver e sentir.
visto-me
procuro roupas confortáveis, que façam o meu corpo feliz, ondular. uma recompensa pelo peso excessivo que todos os dias carrego.
com a mochila de sempre às costas, saio para a rua.

conheces-me a alma. 
conheces-me o corpo.