terça-feira, 8 de agosto de 2017

São mil e umas as noites em que não bato à tua porta




Principe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.


São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me

Ana Hatherly




segunda-feira, 7 de agosto de 2017

momento









quando, como neste momento, o meu corpo cedia ao cansaço e as pálpebras teimavam em fechar os meus olhos, ele chegava com um entrançado de palavras, e levava-me, pela mão, a fazer o resto do caminho.










domingo, 6 de agosto de 2017









Estávamos em Agosto, fechei o caderno contigo dentro, nunca mais voltei a apaixonar-me.

Al Berto








dele








dele, ficou-me a pele. 
ele ensinou-me esta relação comigo mesma. eu, vestida de mim.
acordo na languidez das manhãs de domingo e passo a mão pelo meu corpo num reconhecimento matinal. ele está por todo o lado, em toda ausência dele, em mim, por todo o lado, em todos os poros.












sábado, 5 de agosto de 2017

verde







estou há cerca de uma hora a observar o movimento incessante dos ramos das árvores ao sabor do vento. entretanto a noite cai e eu assisto ao escurecer.
não sei porque ainda me pergunto porque ele partiu, se é tão óbvio que até os olhares cheios de verde cansam.











quinta-feira, 3 de agosto de 2017

guerreiro






foi logo na primeira postura que comecei a esquecê-lo. assim que coloquei um pé perpendicular à parede, o outro paralelo, a perna flectida de forma a que o joelho alinhasse com a ponta do pé, e os braços abertos, alinhados com as pernas, foi aí que deixei de pensar nele. logo no primeiro minuto. no final, passados 50 minutos, em que o corpo mal obedecia à ordem para caminhar, já tinha esquecido o meu amor eterno por ele. 







quarta-feira, 2 de agosto de 2017

contudo




não estou certo de nada. gostava, contudo,
de acreditar que existes, para te esperar sem
angústia, talvez pôr a música mais baixo, ouvir
os vizinhos a conversar, preparar coisas para te
dizer, ler um livro, vestir-me. gostava de ter
por ti um amor convencional, sem ter de o
imaginar. com um jantar pelo meio, um passeio
no mais popular do parque, a ver cisnes e a
fugir dos cavalos. mas não estou certo de nada, e
mais fácil é fechar as portadas, escolher um cobertor
quente e fazer com que vente mais e mais lá fora

valter hugo mãe