terça-feira, 23 de janeiro de 2018

era uma vez







a verdade é que perdi as palavras com que conseguia arrancar-lhe sorrisos. e fazê-lo rir, fazia de mim alegre. e esse foi o primeiro desencontro. eu ser alegre devia morar em mim e não nele. começou tudo ao contrario. e as coincidências onde nos encontrávamos, descoincidiram. e foi com as descoincidencias que as palavras começaram a faltar. e quando faltam as palavras, há os olhares, mas os olhares desviaram-se sem nada que ler. depois, ficaram aqui os meus pés cruzados, um em cima do outro, as mãos dadas, também uma na outra, por detrás do pescoço, do meu, e o corpo cansado.









domingo, 21 de janeiro de 2018

cinzas




De noite, quando o frio entra pelas casas, e um resto de solidão gela o fundo da alma, aqueço-me com o fogo que me deixaste.
De manhã, recolho as cinzas.

Nuno Júdice






domingo, 14 de janeiro de 2018

pela pele dele






nunca disse o nome dele em voz alta, mas, hoje, encontrei-o escrito a lápis, letras maiúsculas decalcadas várias vezes, emolduradas num rectângulo tosco de carvão. 
os meus dedos passeiam-se pelo relevo do papel, como o meu sonho pela pele dele.








domingo, 7 de janeiro de 2018

perdi-lhe o jeito




a verdade é que lhe perdi o jeito. sinto-o. foi preciso muito pouco tempo, apenas o tempo de descurar a pontuação numa frase sem importância e os meus dedos hesitam entre um ponto e uma reticência, ou sem saber como percorrer os seus cabelos prateados, que é o mesmo que tentar escrever poemas.
perdi-lhe o jeito.
já não sei onde colocar o riso nem a maciez dos lábios num sussurro. perdi-lhe o jeito, perdi-lhe a mão. já nem a minha pele encosta na dele e os meus poros já não se exaltam com a ideia da proximidade dos poros dele. já não sei passear-me pelo seu corpo e o pudor ocupou o lugar da entrega no meu olhar, quando o olho, cada vez menos.
perdi-lhe o jeito.
os textos voltaram a ser um conjunto de palavras e os quadros uma porção de cores. os dias são apenas 24 horas e as árvores deixaram de falar o que ele cala. 
agora a noite caiu e perdi-lhe o jeito.