Era perfectamente natural que te acordaras de él a la hora de las nostalgias, cuando uno se deja corromper por esas ausencias que llamamos recuerdos y hay que remendar con palabras y con imágenes tanto hueco insaciable.
Julio Cortázar
no teu abrigo, a tua enseada, o teu cansaço, as tuas palavras silenciosas, os teus gestos lentos, tu, perto de mim, o meu olhar mergulhado no teu, devagar. sorri vá sorri
Ela sabe falar lhe de amor melhor do que eu. Ela cita poetas, transcreve escritores constrói prosas e versos. Eu, o único poema de que me lembro quando penso nele, é o do Eugénio que diz que 'devias estar aqui rente aos meus lábios', e devias, e depois perco me na ideia dos lábios dele e na ideia da pele dele e na ideia dele, que é tão bonito, ele, de todas as maneiras que eu acredito que as pessoas possam ser bonitas. Falar lhe de amor também não sei, a não ser deste impedimento que me vem por tanto gostar dele e não conseguir querer mais ninguém.
cruzo as tuas palavras com as palavras dela, com o que eu sinto, com o tempo que voa, com a distância do desconhecido, com a nitidez do invisível, com a cegueira da lucidez, e faço uma maré de mantas de retalhos, onde, navegando, me perco nos dias, sem mapa, sem bússola, sem leme.
eu não me enfeito para ele, não cuido da linguagem, descuro a leitura, escrevo de rompante, chego a horas impróprias, nunca parto, ofereço-lhe o meu cansaço, exibo o meu desejo, conto-lhe da minha alma, ele sabe do meu querer, exponho o meu lado frágil, mostro as minhas defesas. arrisco tudo.
Saio da tua vida às arrecuas, enquanto me conta do teu amor por ela. Se afinal me quiseres, direi que estou a chegar. Não saberás que tentei partir, e não consegui.
quem me vê, não me vê, pois esta noite fiquei presa no sonho em que sonhei com ele. estava o corpo dele nu, junto ao meu corpo nu, ele, repousando no meu braço, o rosto sobre o meu peito, a perna dele a percorrer as minhas, até ao ventre, as bocas unindo-se num despertar. o meu.
todos os dias me digo que vai ser hoje que te vou deixar em suspenso. mas depois tu vens e eu com esta vertigem a percorrer-me as pernas e o arrepio dentro dos olhos e uma emoção que não sei onde nasce e um querer que não tem raízes. então, eu, bebo de ti todas as palavras, percorro as tuas mãos, agasalho-me de ti, dispo-me para ti.
ele deixa palavras espalhadas pelo meu corpo despertando em mim sentidos adormecidos eu durmo com ele, acordo com ele, banho-me com ele, passeio-me com ele, vejo o mar para ele, trago o sol na pele para ele, repouso-me nele, alegro-me por ele e ele não sabe
trazida suavemente do sono profundo pela ténue luz do amanhecer, abro lentamente os olhos, e, à minha frente estendem-se, cruzados, um em cima do outro, os meus braços, alongados na largura da cama. a cor da pele contrasta com o branco do algodão. na sua extremidade pousam as minhas mãos, abertas, tão vazias das tuas.
a camisola que eu trazia era tão macia, que nem a senti descer e deixar-me o ombro desnudo. assim que percebi que ele tinha o olhar baboso pousado no meu corpo, puxei lentamente a malha de forma a que me cobrisse. - és mázinha. se me estava a dar prazer olhar para o teu ombro, porque o cobriste? não respondi. incomoda-me o prazer lascivo que possa ter quem eu não desejo, ao olhar para mim. na boca trago ainda o travo amargo, de tempos longínquos, quando, fingindo que dormia, o sentia destapar-me os lençois para observar o meu corpo semi-nu, deitado, e o movimento do colchão de seguida.
cansado, despir-te do dia, chegares a mim rendido e seres inteiro no meu abraço. todo tu poema, todo tu melodia, todo tu brisa, todos os teus poros todos sentidos. e eu, as vidas todas à procura desse abraço.
Uma porcaria de um mail da TomTom acordou-me às seis horas. É 20% de desconto que propõem não sei para o quê. Logo hoje que podia dormir até às sete. Pus os óculos para ler o que pensava ser a tua despedida. Ia responder-te 'dorme". Nunca chegaste e no entanto todos os dias espero que partas. Todos os dias me despeço. Todos os dias aguardo. Todos os dias me habituo à tua ausência. Todos os dias lhe digo, a ela, que te conserve. É extenuante viver o que não existe.
todas as manhãs de domingo acordo mais cedo para entrar sorrateiramente na cama dele. vou largando a roupa pelo chão, pois é nua que quero chegar. então, ele acolhe-me e as curvas dos nossos corpos adequam-se perfeitamente, ajustando as convexidades com as concavidades, separadas apenas pelo espaço de um suspiro da pele. nas manhãs de domingo não gastamos palavras. numa cadência ondulada falamos a linguagem das mãos, os murmúrios dos poros. são de sal os nossos beijos, de água da maré baixa.
então obrigou o sorriso, levantou o rosto, escolheu um vestido, realçou os lábios, perfumou a nuca, escovou o cabelo, calçou uns sapatos rasos, e aceitou o convite. iria rir-se, brincar com as palavras, seduzir o pobre homem.
o meu corpo cumpre todas as suas funções. acorda, veste-se, do avesso, mas veste-se, sai para a rua, vai ao café, trabalha, conversa, responde a perguntas e segue indicações, regressa a casa, faz compras online, assina o correio registado, escreve, adormece. a minha alma, já a minha alma, voa. acorda com ele, banha-se com ele, vela por ele, repousa nele, ama com ele, passeia-se com ele, sofre com ele, alegra-se por ele. neste desencontro, quem me vê não me vê, onde estou não estou. na verdade, a vida passa e não a vivo, mas o tempo esfuma-se e envelheço. agora que o escrevo, reparo que o que de verdadeiro trago na vida, é o tempo que passa.
na verdade nunca soube amar. dizem de mim que sou seca e bruta no trato, ausente de gestos de carinho e impaciente por despedidas. assim, de tanto lhe querer bem, deixo-o repousar nos braços de quem o encanta e sabe amar.
o meu amor é um tornado fresco e manso. envolve todos os recantos do meu corpo, a minha pele arrepia-se em voo de prazer, os meus pés deixam de sentir o chão e estou com ele, mesmo onde ele não está.